quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

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Tenho andado por aí a ler umas coisas meio filosóficas e até que "traz algum gozo este cansaço que isto nos causa... Porque afinal a cabeça ainda serve para alguma coisa" como dizia Álvaro de Campos.

Primeiro, deixo uma quadra bastante curiosa que encontrei de Sophia de Mello Breyner :


A bela e pura palavra Poesia
Tanto pelos caminhos se arrastou
Que alta noite a encontrei perdida
Num bordel onde um morto a assassinou.


Nem sei bem se isto faz sentido, mas é isso mesmo que pretendo que tentem perceber. Eu há algum tempo que o tento fazer...


Depois, uma mera ilustração, só porque falamos em pensar, adoro dar largas à imaginação com coisas deste género:



O poeta é um fingidor? E isto é o quê? É fingir? Diria também que é ilusão... Então a ilusão poderá ser um fingimento...O fingimento também tem o seu quê de ilusão.E assim o poeta é algum tipo de ilusionista que traz de dentro dos seus versos (que nem cartola preta) a mensagem às vezes que menos esperamos (que nem coelho branco). E pensar desta forma faz com que "todo o poema que me passa à frente" me dê o gozo de tentar vê-lo do avesso. Que nem este conjunto de ilusões...

Nem sei se me faço entender, espero que sim!

5 comentários:

Anônimo disse...

Olá, olá.

Não conhecia essa do Álvaro de Campos, gostei e "anotei". ^^

Quanto à quadra.. Eu não sei quanto a vocês, mas discordo de análise crítica de poemas/prosa..

Sendo eu um homem de ciências, tento manter alguma da minha ingenuidade pura e simples (coelho no topo da cartola, anyone?). É ela que, afinal, me faz viver feliz com os meus ideais, princípios e ideias. Deixar um poema tocar-me sem tentar ver onde e como, antes tentando guiar-me pelo que me faz sentir e não pelo que vejo é uma forma que encontro de manter esse lado "vivo".

Talvez não me faça entender. Sempre me fez impressão ter de dissecar o que um autor pensa/escreve. Experimentem com um texto vosso.. Como escritores, não vos faz confusão o facto de o fazerem?

Salut.

Anônimo disse...

O que o Tomé pensa vai ao encontro do que Pessoa diz sobre a poesia: ela é um fingimento, no sentido de que ao leitor cabe sentir o que ler e interpretar. Ele nunca terá acesso à emoção primeira que esteve na origem do criação poética. Essa é única e intransmissível. "Sentir, sinta quem lê."

É do "caneco", não é? :)

Anônimo disse...

Já não é segredo para os 2R a minha preferência pela poesia de Álvaro de Campos. Como têm pedido sugestões, deixo aqui um dos poemas da minha eleição. Para sentir e não estragar com análises :)

O Sono

O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
E o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.

Meu Deus, tanto sono! ...

Anônimo disse...

Ups!... enganei-me a copiar. Também gosto do que vos mandei mas ESTE é o tal (espero não me enganar!):

Na Noite Terrível

Na noite terrível, substância natural de todas as noites,
Na noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites,
Relembro, velando em modorra incômoda,
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
Relembro, e uma angústia
Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo.
O irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na ilusão do espaço e do tempo,
Na falsidade do decorrer.
Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido —
Isso é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso — e foi afinal o melhor de mim — é que nem os Deuses fazem viver ...

Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro —
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado a ser outro também.

Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,
Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo;
Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse;
Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,
Claras, inevitáveis, naturais,
A conversa fechada concludentemente,
A matéria toda resolvida...
Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.

O que falhei deveras não tem sperança nenhuma
Em sistema metafísico nenhum.
Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei,
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?
Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.
Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos,

Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca
Como uma verdade de que não partilho,
E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível p'ra mim.

Anônimo disse...

Hello..

mc, devo dizer que gostei muito de ambos os poemas, mas especialmente d'O Sono. Vai muito de encontro ao que sinto.

Vejo que não fui só eu que andei um pouco desaparecido ultimamente, "os 2R" como diz o mc tb andaram.. Isso é tudo trabalho, como por aqui?

B-bye.